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Porém, se nossa autêntica natureza é divina, por que então nos encontramos tão espantosamente ignorantes dela? A resposta a esta questão jaz no conceito de maya, ou ignorância. Maya é o véu que encobre nossa real natureza e a real natureza do mundo a nossa volta. Maya é, fundamentalmente, inescrutável: não sabemos por que ela existe e desconhecemos quando principiou. O que sabemos de fato é que, como toda outra forma de ignorância, maya cessa de existir com o despertar do conhecimento, o conhecimento de nossa própria essência divina.
Brahman é a verdade genuína de nossa existência: n’Ele vivemos, nos movemos e n’Ele existimos. “Tudo isto é, em verdade, Brahman”, nos ensinam os Upanishads, as escrituras que formam a filosofia Vedanta. O mundo variável que observamos a nossa volta pode ser comparado às imagens móveis em uma tela de cinema: sem aquela invariável tela como fundo, não poderia haver nenhum cinema. De modo semelhante é aquele imodificável Brahman, o substrato da existência, que, como pano de fundo para este mundo cambiável, confere a ele sua realidade.
Mesmo assim, para nós, esta realidade se acha condicionada, como um espelho recurvo, pelos conceitos de tempo, espaço e causalidade, constituindo a lei de causa e efeito. Nossa visão da realidade se encontra ainda mais obscurecida por uma identificação equivocada: identificamo-nos com o corpo, a mente e o ego, mais que com o Atman, o Ser divino.
Este equívoco hereditário gera ainda mais ignorância e sofrimento, como um efeito dominó: ao nos identificarmos com o corpo e a mente, receamos enfermidade, velhice e morte; identificando-nos com o ego, sofremos com a ira, ódio e centenas de outras misérias. Ainda assim, nada disso afeta nossa verdadeira essência, o Atman.
Maya pode ser comparada àquelas nuvens que encobrem o sol: ele permanece no alto do céu, mas densas nuvens o escondem e nos impedem de vê-lo. Quando as nuvens se dispersam, tornamo-nos conscientes de que o sol ali esteve sempre. Nossas nuvens – maya aparecendo como egotismo, desamor, ganância, luxúria, ira e ambição – são afastadas ao meditarmos em nossa verdadeira natureza, ao nos engajarmos em ações inegoístas, e quando, consistentemente, pensamos e agimos de modo a manifestar nossa real natureza, ou seja, através da veracidade, pureza, contentamento, autocontrole e abstinência. Esta purificação mental carrega para longe as nuvens de maya e permite à nossa divina essência irradiar.
Shankara, o grande sábio filósofo da Índia no sétimo século, se utilizava do exemplo da corda e da serpente para ilustrar o conceito de maya. Caminhando por uma estrada escura, um homem vê uma serpente: seu coração se alarma, seu pulso se acelera. Porém, ao observar mais de perto, a “serpente” se transforma em um pedaço de corda enrolada. Uma vez que a ilusão se desfaz, a cobra desaparece para sempre.
Similarmente, caminhando pela estrada escura da ignorância, vemos a nós mesmos como criaturas mortais e, ao redor, o universo de nome e forma, condicionado por tempo, espaço e causalidade. Tomamos consciência de nossas limitações, ligaduras e sofrimentos. Porém, em uma observação mais atenta, tanto a criatura mortal quanto o universo, se revelam como Brahman. Uma vez que a ilusão se desfaz, nossa mortalidade, tanto quanto o universo, desaparece para sempre. Vemos apenas a Brahman existindo em toda parte e em tudo.
Trecho do livro "Vedanta: a Simple Introduction", de autoria da Sra. Vrajaprana, Vedanta Press, Hollywood-California, sem edição em português.
Este texto complementa o anterior. Para o aspirante espiritual, a compreensão correta dos conceitos principais é algo muito importante, e o conceito de 'maya' deve ser bem assimilado!
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